2005-11-16

RETÓRICA VS. FILOSOFIA

A retórica é sem dúvida tão antiga como a filosofia.(... ) A este título é a sua mais velha inimiga e a sua mais antiga aliada. A sua mais antiga inimiga: é sempre possível que a arte de "bem dizer" se liberte do cuidado de "dizer a verdade"; a técnica fundada sobre o conhecimento das causas que engendram os efeitos da persuasão dá um poder extraordinário a quem a domine perfeitamente: o poder de dispor das palavras sem as coisas; e de dispor dos homens ao dispor das palavras. Talvez se torne necessário compreender que a possibilidade desta cisão acompanha toda a história do discurso humano.(...)
Mas a filosofia jamais esteve em posição de destruir a retórica ou de a absorver. Os próprios lugares em que a eloquência faz jus dos seus prestígios - tribunal, asembleia, jogos públicos - são lugares que não foram engendrados pela filosofia e que ela não pode, portanto, propor-se suprimir. O seu próprio discurso é apenas um discurso entre outros e a pretensão à verdade que habita o seu discurso exclui-a da esfera do poder.
Uma possibilidade permanece aberta: delimitar os usos legítimos da fala poderosa, forçar a linha que separa o uso do abuso, instituir filosoficamente as ligações entre a esfera da validade da retórica e aquela em que a filosofia reina. A retórica de Aristóteles constitui a mais espantosa dessas tentativas de institucionalização da retórica a partir da filosofia.
RICOEUR, Metáfora Viva
Rés editora
Manual de Filosofia Razão e Diálogo p. 150