2007-10-31

A PRÁTICA da FILOSOFIA

A filosofia apareceu, não apenas, nem sobretudo, numa dimensão puramente abstracta, distanciada da vida dos homens... Na Antiguidade Clássica, a filosofia devia revelar-se no quotidiano. Já Sócrates ensinava que o grande objectivo do exercício da filosofia devia ser a virtude (arete). Com o advento da Modernidade, a filosofia vai perdendo esta dimensão mais prática, que se deveria exprimir na vida concreta do Homem, e revela, sobretudo, uma vocação mais abstracta e que evidencia claras rupturas com o mundo quotidiano. Curiosamente, nos tempos mais recentes, assistimos a um regresso da filosofia como inspiradora para vida concreta e os problemas existenciais dos seres humanos.
"Observa-te a ti mesmo, analisa-te de vários ângulos, estuda-te. Acima de tudo verifica se progrediste no estudo da filosofia ou no teu próprio modo de vida. A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espectáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em acções.(...). O objectivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma,em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos actos (...).
(...)
A toda a hora nos vemos em inúmeras situações em que necessitamos de um conselho: pois é a filosofia que no-lo pode dar."
Séneca,
Cartas a Lucílio

A CRÍTICA Filosófica

" Dispormo-nos a examinar as nossas crenças mais básicas não é tarefa fácil porque pode fazer-nos chegar a conclusões que a maioria dos membros da sociedade desaprovam e porque exige uma atitude crítica que lança a dúvida sobre o que nos habituámos a considerar verdadeiro.(...)
A atitude filosófica é também difícil porque exige que pensemos criticamente e rigorosamente acerca de crenças fundamentais que nos foram transmitidas e que aceitámos de forma acrítica. Com efeito, em muitos casos adquirimos ideias como quem contrai uma gripe, por contágio. À semelhança do vírus da gripe, as crenças estabelecidas parecem fazer parte do nosso ambiente e respiramo-las quase sem dar por isso. Assim as crenças que eram da nossa cultura tornaram-se as nossas crenças. Até podem ser verdadeiras e excelentes, mas como havemos de saber se as interiorizámos de forma acrítica, sem pensar? Ao examinarmos as ideias básicas, nossas e dos outros, que se transformaram em hábitos mentais, devemos como filósofos perguntar: o que justifica essas crenças? Que razões temos para supor que são verdadeiras? Pdemos definir a filosofia como a actividade que critica e rigorosamente examina as razões subjacentes às nossas crenças fundamentais."
M. Velasquez,
Philosophy

2007-10-24

DISCURSO e Filosofia

" Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo"
Wittgeinstein
A linguagem limita e possibilita a Filosofia. Como podes pensar sem linguagem ??! Como podes trabalhar o/no pensamento, e comunicá-lo?
Não adianta um levantamento revoltoso contra a linguagem - para isso também precisarias dela!... O melhor é tentar colocá-la do nosso lado e aceitar, talvez como ponto de partida, que o nosso mundo é, afinal, o mundo da nossa linguagem.
O discurso aparece por isso, fundamental na/para a filosofia. Pensar, comunicar pensamento, argumentar e contra-argumentar...
Por'Discurso' gostaria que entendesses não apenas as palavras ditas e as escritas, mas toda a forma de comunicação: toda e qualquer mensagem supõe discurso - anterior e posterior.
Portanto as várias artes, a publicidade, a moda e os costumes, os objectos mais corriqueiros, são discursos, são comunicação.
Mesmo o discurso mais (pretensamento) objectivo conta com linguagem 'não declarada' todo o discurso tende a ser persuasivo (convincente, capaz de mover), e a sua persuasão não se faz apenas pelo 'dito'. Todo o orador, ao comunicar a sua mensagem recorre a:
a) ETHOS - credibilidade que o orador pretende ter;
credibilidade sugerida;
b) PATHOS -sentimentos, paixões, conivências, emoções que
desperta;
c) LOGOS - os argumentos propriamente explicitados;
as fundamentações e conhecimentos invocados.
Ou seja, nós não ouvimos apenas o que é dito, mas também nos é comunicado o 'como', o 'por quem', o 'onde', 'em que circunstâncias'.

2007-10-17

O QUE É A FILOSOFIA

Foi pedido na aula que cada aluno produzisse um texto que se iniciasse do seguinte modo:
" O que é a filosofia?".
O discurso deveria ser tão claro que qualquer pessoa que nunca tenha estudado filosofia compreendesse, e ficasse elucidada sobre o assunto, mas tão rigoroso que não contivesse erros conceptuais.
Aqui fica o meu contributo pessoal e circunstancial, como exemplo do que pode ser uma breve reflexão filosófica (caseira). O meu texto é antecedido por um levantamento das questões que o texto deve abordar dado o assunto - tal como foi aconselhado.
- Filo + Sofia = Amor à Sabedoria;
- Circunstâncias históricas do nascimento da filosofia;
- Filosofia e Mito;
- Filosofia e Incerteza (Bertrand Russell);
- Filosofia, Ócio e Espanto(Aristóteles);
- A universalidade das preocupações e das questões da filosofia;
- A profundidade da filosofia;
- A douta ignorância(Sócrates);
- Filosofia como actividade crítica - vencer o dogmatismo e o preconceito;
- Problemas; Teorias; Argumentos;
- Conceito;
- O método e o Objecto da filosofia;
- Filosofar é 'estar a caminho'.
Desde sempre o Homem procurou compreender o mundo que habitava - o visível e o invisível, isto é : o sentido e o pressentido. Partindo da sua experiência existencial e factual no mundo, reflectindo a partir dela, procurou elaborar explicações que o situassem. É assim que surge o MITO como primeira forma de saber.
É na Grécia que surge uma outra tentativa de resposta e que se coloca em alternativa e oposição ao Mito -nasce a Filosofia. Aristóteles afirmou que a filosofia nasceu do ócio e do espanto.
O espanto é uma característica profundamente humana e universal - mas tal não se passa com o ócio! A filosofia nasce em circunstâncias históricas muito concretas: as viagens comerciais além mar levam ao contacto com outras clturas, outros valores, mundividências outras - outros mitos explicativos da realidade - e, como é bom de ver, diversas versões para a mesma ocorrência levam ao descrédito de todas... É então que uma nova classe, voltada para a novidade, porque confrontada com ela, classe abastada fruto do comércio e sustentada por um vasto sistema esclavagista, pelo ócio que estas condições lhe permitem, dedica-se ao pensar, a estabelecer relações entre a natureza observada e a razão que se procura libertar das tradições explicativas milenares, mas fixistas.
A filosofia surge pois, das perguntas que se revelam pelo espanto - a filosofia começa, e faz-se pelo questionamento. É a procura pelas primeiras perguntas, as que são feitas desde a raíz. O questionamento nunca pode cessar em filosofia, e é por isso, também, que Bertrand Russell afirma que o valor da filosofia está na 'sua' incerteza.
A 'incerteza' é geradora, não de desespero, mas de desafio à procura. É neste sentido que a 'douta ignorância' se apresenta como emblemática para a filosofia. Sócrates era o mais sábio dos homens porque a sua sabedoria consistia em saber que não sabia. E quem não sabe pergunta, quem não sabe procura...
A procura da filosofia deve ser, contudo, metódica - se não, ao procurar sem método, podemos acabar perdidos. Apoiamo-nos, portanto, na reflexão, no poder que temos de dialogarmos interiormente, de repensar, de pesar, avaliar, de pensar o próprio pensamento.
É esta a actividade crítica da filosofia - avaliar, pesar, analisar, conceptualizar... Para procurar a verdade e vencer o dogmatismo (aceitação de verdades inabaláveis) e o preconceito.
Trabalha então a filosofia, o pensamento, e com o pensamento - colocando Problemas, aceitando dirrimindo, rejeitando, apoiando-se em Argumentos, respondendo por Teorias.
Mas não é pouca a tarefa do filosofar!... Vasto é o Objecto da filosofia, grande é a sua ambição ao colocar como seu objecto a 'totalidade do real'. Nada há que oferecendo ocasião de dúvida e espanto não diga respeito à filosofia. Onde todos os saberes e ciências falhem em dar respostas, lá aparece 'ela' inquieta e a desinquietar.
A filosofia é nómada, não lhe interessa o aconchego sedendário de verdades confortáveis e fixistas. Ela está sempre em trânsito, vai andando, incansável, porque "filosofar é estar a caminho".

2007-10-10

A Filosofia do desespero ?!

E se é do desespero que nasce a filosofia?...
Perguntar pode ser fruto do desespero: - 'Porquê!!!!!!!???'...
Porque existe o que nos rodeia?; porquê o ser (o existente) e não o nada??!!
Afinal a Filosofia surge da nossa própria insuficiência - quem pergunta é porque não sabe, e saber revela mais ser do que duvidar ou não saber - dizia já Descartes (séc. XVII) no Discurso do Método.
O perguntar filosófico radica então numa determinada falta, de ser, (insuficiência ontológica).
O filósofo, contudo, não se ficou por aqui... Há que dotar o problema de um pouco mais de optimismo e claridade!
Surge a par a 'douta ignorância' - aquele que sabe que não sabe - não desespera: procura o saber! É um amante da sabedoria.
Eis o 'Happy End' que dá precisamente início e continuidade à filosofia e permite saltar de um filme existencial/universal que seria pintado no negro da ignorância e da desesperança.
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" As perguntas filosóficas surgem, diz Heidegger, no meio de um grande desespero, quando 'todo o peso quer desaparecer das coisas e todo o sentido se obscurece". A pergunta filosófica elementar - porquê o ser e não o nada ? - não é tão abstracta como possa parecer. (...). A filosofia surge da impotência e do desconcerto,da surpresa e do espanto que desperta em nós a experiência de que o âmbito do possível é mais vasto que o da necessidade.
A filosofia é a inquietação posta em prática."
D. Innerarity
A Filosofia como uma das Belas Artes

O termo FILOSOFIA

"A palavra grega 'filósofo' (philosophos) formou-se por oposição a sábio (sophos). Trata-se do amante do conhecimento (do saber) a diferença daquele que estando na posse do conhecimento se chamava sábio. Este sentido da palavra persistiu até hoje: a busca da verdade, não a sua posse, é a essência da filosofia (...)."
K. Jaspers
A Filosofia

O Objecto da Filosofia

"A filosofia é um modo de conhecimento caracterizado pela universalidade do seu objecto; não versa sobre este ou aquele aspecto da realidade, mas sobre a realidade no seu conjunto (...).
(...) Desde logo, a filosofia não foi inventada por gente que não se mexia de casa nem sentia curiosidade pelos estranhos. "
F. Savater
O Meu Dicionário Filosófico