2008-05-14

NOITE de TEATRO

Nas noites do dia 9 e 10 de Maio, numa organização do grupo de Filosofia, fomos ao Teatro da Cornucópia (eramos cerca de 150) . A peça: Don Carlos, Infante de Espanha, de Friedrich Schiller.
Como a peça levanta várias questões de natureza filosófica, nomeadamente no âmbito dos valores religiosos, que entretanto estudamos, aqui fica uma pequena nota sobre a dita.
Schiller escreveu a primeira versão desta obra dois anos antes da Revolução Francesa - e o emblema tricolor: Liberdade, Igualdade, Fraternidade - estão bem presentes durante toda a trama.
A obra situa-se no Tempo de Filipe II e o Espaço é a Espanha e o grande Império Espanhol, embora mais propriamente, a corte do monarca.
O encenador decidiu apresentar um espaço de cena aberto, de uma afirmativa nudez de objectos, vazio, amplo, donde as cores se ausentaram, excluindo o preto e o cinza e também algum branco nas vestes das personagens. A própria mobília mal sobressaía, embutida que estava - tudo nos conduzia aos universos interiores e às suas lutas, não nos possibilitando a distração visual. Toda esta lisura contrastaria com o colorido e o pleno das lutas interiores e intersubjectivas que se foram desenrolando.
Para lá do que se apresentava como evidente ( a paixão inconveniente do Infante pela madrasta, outrora sua noiva prometida e agora esposa de seu pai), outras lutas, dicotomias e conflitos estão presentes na obra.
Para além do despojamento já falado, a Cena surgia - assim pareceu - como um Templo Maçónico: o xadrez do chão - o claro e o escuro, o positivo e o negativo, sempre presente nas Lojas; as esferas que podem indicar as órbitas dos corpos celestes, as influências externas aos indivíduos, o destino, a grandeza e a pequenez do Homem e de cada um - uma esfera era muito grande e outra muito mais pequena; estas esferas fazem ainda lembrar os cubos de pedra, sempre no número de dois, igualmente presentes no templos das fraternidades maçónicas e que simbolizam o Homem em bruto (cubo imperfeito) e o Homem já trabalhado, aperfeiçoado (cubo perfeito).
Esta simbólica não será de todo extemporânea, visto que os ideais da Revolução Francesa, histórica e inequivocamente, se ligam à maçonaria.
A luz aparecia também como fundamental, assim como o jogo das portas que estava intimamente unido ao jogo de luz - outra simbólica muito cara às fraternidades iniciáticas -maçónicas.
Para lá destas pistas, toda a peça gira à volta de dicotomias e dilemas (lembras-te dos valores éticos?). Realçamos no entanto, as dicotomias não tanto pessoais, mas as históricas, civilizacionais e ideológicas: O Novo Mundo, as Novas Ideias simbolizados pelos Jovens - o Infante, o seu amigo dedicado, o Marquês de Posa, a Rainha, e o Mundo Antigo e decrépito, perseguidor do novo ideário que é personificado pelos Velhos - o Rei, a Corte, o Inquisidor.
Esta dicotomia manifesta-se ainda na oposição entre os novos ventos do Luteranismo e da Reforma, do Livre Exame, do Livre Pensamento, acarinhados pelo Marquês de Posa, e o Catolicismo opressor e opressivo do Rei e do Inquisidor. Esta mesma luta está bem patente na peça a que assistimos quer na figura do grande amigo do Infante, Rodrigo, quer na referência às lutas revoltosas dos Países Baixos - a Flandres - onde os Movimentos Reformistas: luteranos, calvinistas e anabaptistas - se opunham cada vez mais à coroa de Espanha e ao Bispo de Roma.
A peça acaba com a morte do Novo (novos: Rodrigo, Infante, Rainha) perseguido pelo Antigo (velhos: Monarquia e Igreja).
Como vemos, as coisas podem 'desembrulharem-se' - desenvolverem-se - por camadas. Isto já não é novidade para quem estuda filosofia! Há que, por isso, manter sempre o espírito crítico, tal como a obra a que assistimos encenada também o faz em relação às temáticas acima faladas e outras.
É também importante manter uma crítica da crítica, é importante ter sempre em mente que o que é dito - escrito, falado, representado, pintado, dançado, sentido - é sempre uma versão, não é nunca a realidade pura, por isso sujeita a múltiplas interpretações e discussões.
Dado o seu ideário, o autor escolhe a Monarquia e a Igreja como protótipo da opressão, inimigas do Homem e da Liberdade, mas quer o regime político em causa, quer a religião, não detêm exclusividade, real ou atribuída, dos 'crimes' em questão - basta lembrar que alguns dos maiores crimes cometidos contra a humanidade aconteceram, e acontecem hoje mesmo, por parte de regimes que se propuseram, precisamente, libertar o Homem das correntes opressoras que são abordadas na peça.
No fim, e no fundo, ficamos sempre com o Homem, com as suas interrogações, as tentativas de resposta e os seus ensaios para se compreender e se tornar melhor e mais feliz. É aqui que a Filosofia se situa : questiona, busca e rebusca, apela ao pensar crítico, desenvolve e alimenta a paixão da busca da razão de ser das coisas.
Excelente a Obra. Excelentes os Actores.

2008-05-07

A Religião como Entrave ao Progresso da Humanidade

Enquanto que nas nossas aulas andamos a tomar contacto com as religiões - as suas crenças básicas - para compreendermos melhor a Experiência Religiosa nas suas dimensões Pessoal e Colectiva, aqui fica um texto que contesta o papel das religiões:


" Dar-te-às conta, se procurares no mundo à tua volta, que todo e qualquer progresso nos sentimentos humanos, qualquer melhoria nas leis criminais, qualquer avanço na diminuição da guerra, qualquer passo dado em direcção a um melhor tratamento das raças não-brancas, ou qualquer mitigação da escravatura, todo o progresso moral alcançado no mundo, tudo isto sofreu sempre a oposição das igrejas organizadas. Digo, deliberadamente, que a religião cristã, enquanto organizada nas suas igrejas, foi e continua a ser o principal inimigo do progresso moral no mundo."
B. Russell

2008-05-02

Ideias Falsas sobre as Religiões

Nem sempre a informação de que dispomos se apoia em boas bases, ou é correctamente formulada e sabedora. Como estudantes de Filosofia sabemos que o senso comum é generoso em 'verdades' com bases muito pouco sólidas.
Numa temática como a das religiões e a experiência religiosa, todo o cuidado é pouco: más interpretações, deficientes entendimentos, preconceitos frutos da ignorância, podem gerar dificuldades nos diálogos entre as civilizações e as pessoas.
se estiveres interessado em esclarecer-te, e a surpreeender-te, existe uma obra com esse objectivo na nossa biblioteca: Pequeno Livro das Ideias Falsas Sobre as Religiões - 2146 de cota.

Religião e Alienação

"A religião é a realização fantástica do ser humano, não possui verdadeira realidade. Lutar contra a religião é pois, indirectamente, lutar contra esse mundo, de que a religião é o aroma espiritual. A angústia religiosa é, por um lado, a expressão da angústia real e, por outro, o protesto contra a angústia real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, tal como é o espírito de condições sociais de que o espírito está excluído. Ela é o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória do povo é uma exigência que a felicidade real formula. Exigir que renuncie às ilusões acerca da sua situação é exigir que renuncie a uma situação que precisa de ilusões.(...)
(...)
A crítica da religião destruiu as ilusões do homem para que ele pense e aja, construa a sua realidade, como homem sem ilusões chegado à idade da razão, para que gravite em volta de si mesmo, isto é, do seu sol real. A religião não passa do sol ilusório que gravita em volta do homem, enquanto o homem não gravita em volta de si mesmo."
K. Marx

Experiência Religiosa e Crítica

A relação do homem com o Transcendente constitui o núcleo fundamental da experiência religiosa. Quando falamos em experiência religiosa, não falamos das religiões enquanto instituições, com as suas regras específicas e o seu 'modus operandis'... A experiência religiosa diz respeito à relação íntima, pessoal, particular e única, mas ao mesmo tempo a toda uma carga comunitária que também enforma, envolve e gere a experiência religiosa pessoal.
Qual delas vem primeiro, a pessoal ou a comunitária??! Difícil será responder visto que o Homem é sempre uma solidão e uma comunidade. Ambas possivelmente se comprometem, se completam e se (des)envolvem.
Quando falmos em 'experiência religiosa',referimo-nos sempre ao íntimo do homem, portanto; não ao irracional, a uma experiência tocada pela alienação ou pela loucura, ou por estados alterados de consciência... Também estas componentes podem estar presentes, mas não são elas que definem ou suportam essa experiência. Na experiência humana está sempre o Homem Todo e por isso a razão também está presente na experiência religiosa (embora não seja ela que presida ou tenha a primazia).
Como estudiosos da Filosofia, devemos olhar par o fenómeno com traquilo espírito crítico. Não podemos negar que existe, e sendo tantos os seres humanos que se agregam às religiões - uma vasta, vasta maioria - devemos pensar as religiões e a experiência religiosa, compreender-lhe os contornos, os traços comuns e os dissonantes.
O primeiro passo para o estudo de qualquer religião - até a do próprio sujeito - é, antes de mais, procurar conhecê-la nos seus ensinamentos fundadores, nas suas narrtivas fundantes, onde as crenças e as práticas se ancoram. Não devemos partir para nada com preconceitos, e muitas vezes, em relação ao religioso, partimos já defendidos por reconceitos ditos racionais, ora uma crítica não deve ser exercida por antecipação.