2009-01-30

Um passeio pelo Percurso Cartesiano

Como vimos, Descartes elabora um método para a condução da Razão. O seu objectivo é conhecido: alcançar um conhecimento seguro, necessário e universal.


Para facilitar a compreensão do percurso cartesiano vamos traçar o seu itinerário que vai desde a Dúvida, radical e demolidora, passando pelo encontro com a primeira Evidência (a substância pensante, o cogito), o aparente fim de percurso – aparentemente sem saída - no solipsísmo (solidão absoluta e radical do Eu), e, por fim, a descoberta que a existência afinal é partilhada e antecedida ontologicamente por uma Existência outra.



Vamos apresentar uma série de anotações de percurso, como quando queremos orientar alguém em direcção a um determinado lugar, sem que se perca.

Deixando de lado um pouco do rigor filosófico, vamos oferecer, de modo muito simplificado, o itinerário seguido por Descartes (a primeira parte) para que se torne mais perceptível o caminho filosófico proposto, na sua obra ‘
Discurso do Método’:


1- A Razão está distribuída universalmente.

2- A Razão é: a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso.

3- O Método começa por: nada aceitar sem ser sujeito primeiro à dúvida,
e só aceitar o que for claro e distinto, isto é, indubitável.

4- Duvidar da existência da realidade exterior;

5- Duvidar da existência do meu corpo;

6- Duvidar do meu próprio pensamento/raciocínio;

7- Duvidar da minha própria existência.



8- Mas duvidar é um acto de pensamento. E para pensar tenho de existir…
Então: se Penso, Logo Existo – Cogito Ergo Sum.

9- Duvidar é sinal de imperfeição.E dou-me conta de que a perfeição seria conhecer;

10- O ser pensante dá-se conta de que possui em si – nele, ser imperfeito – a ideia de perfeição.
Esta ideia não pode ter origem no cogito (sujeito pensante): o conteúdo (ideia de perfeição) transcende o continente (o ser imperfeito) – isso é racionalmente inaceitável;
Dito de outro modo: o efeito (ideia de perfeição), não pode ultrapassar a sua causa (ser imperfeito);

11-Se há uma ideia no sujeito pensante, que dele não provém, então existe Algo que é causa dessa ideia que em si o cogito encontra, mas que não originou;

12- Só um ser perfeito pode ser causa de tal ideia…
A esse ser perfeito aceitemos chamar-lhe ‘Deus’ – Deus existe.
E o Eu já não está só.

2009-01-28

As REGRAS do MÉTODO - Descartes

Na procura de um Conhecimento Universal e Necessário, não espanta que Descartes se inspire na Matemática, pois, afinal, o que Descartes procura para o conhecimento filosófico, é um tipo de conhecimento que possa oferecer as características de segurança, evidência lógica irrecusável do tipo matemático. O objectivo de Descartes é o estabelecimento de um conhecimento logicamente necessário e UNIVERSALMENTE VÁLIDO.


As Regras do Método que instaura para a construção desse objectivo só podem, portanto, ter uma inspiração claramente matemática:






“ Em lugar daquele grande número de preceitos que constituem a lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes (…).


O primeiro consistia em nunca aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse evidentemente como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir nada mais nos meus juízos senão o que se apresentasse tão claramente e tão distintamente ao meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião de o pôr em dúvida.


O segundo consistia em dividir cada uma das dificuldades que examinava em tantas parcelas quantas fosse possível e fosse necessário, para melhor as resolver.



O terceiro consistia em conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, gradualmente, até ao conhecimento dos mais complexos, não deixando de supor certa ordem entre aqueles que não se sucedem naturalmente uns aos outros.



O último consistia em fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que tivesse a certeza de nada omitir.”


R. Descartes, Discurso do Método

A DÚVIDA METÓDICA cartesiana

A DÚVIDA é por demais fundamental em Descartes pois ela decorre de modo directo da Primeira Regra do Método: ‘nada aceitar por verdadeiro, a não ser o que for claro e distinto, indubitável’.

Tudo o que levantar a mínima suspeita, inconsistência, ou não oferecer absoluta certeza, deve ser afastado de imediato.

Descartes apenas não se propõe duvidar das questões e conteúdos da Fé, para ele estes estão num outro plano pois não dizem respeito ao conhecimento ‘natural’, humano, mas ao sobrenatural e Revelado.

Contudo, não é demais chamar a atenção de que a DÚVIDA cartesiana não é nunca um ponto de chegada – como no caso dos cépticos – ela é um MEIO, Método, na busca de princípios firmes e indubitáveis.


Quais são as razões para Descartes apontar a Dúvida como método para depurar o conhecimento de fracas/falsas ‘verdades’?

- Porque muitas vezes os nossos juízos são precipitados;

- Devido aos preconceitos (pré-conceitos) que deixámos instalar em nós;

- Porque os sentidos nos enganam, e muito do nosso conhecimento está sustentado neles;

- Porque não temos um critério seguro que nos permita distinguir o sono da vigília, e não podemos garantir se quando julgamos estar acordados, não estaremos de facto a dormir;

- Porque até em demonstrações matemáticas nos enganamos por vezes;

- Podemos ser iludidos e afastados da verdade até por qualquer ser maligno, como um ‘génio enganador’ que nos faça estar errados, quando afinal exercemos o pensamento procurando a certeza e a evidência.




Assim, pelo acima exposto, e enunciado por Descartes, a DÚVIDA possui as seguintes características:


. É Metódica – um método, um meio para alcançar conhecimento mais seguro;


. É Provisória - e não a afirmação céptica acerca da definitiva impossibilidade do conhecimento;

. É Hiperbólica – isto é, exagerada, extensa – abate-se sobre tudo o que não seja seguro;

. É Demolidora – nada deixa de pé, desde que não seja indubitavelmente seguro, à sua passagem;

. É Universal – incide sobre todo o conhecimento humano;

. É Radical – não se fica apenas pela superfície, mas dirige-se até aos fundamentos do conhecimento.

. É Catártica – purificadora, pois liberta o pensamento humano dos erros perturbadores do verdadeiro conhecimento.

2009-01-27

Razão e Método

Descartes tem como um dos objectivos centrais da sua filosofia a fundamentação para um conhecimento seguro e indubitável.
Enquanto que os empiristas chegam a uma posição de pendor céptico - duvidando da possibilidade de conhecer ou, pelo menos, afirmando a incerteza do acto de conhecer - Descartes parte da Dúvida (Metódica), mas não se fica por aí, procura sim, através da Dúvida, afastar todos os obstáculos a um conhecimento seguro e resistente a qualquer forma e grau de incerteza.
Descartes parte da 'evidência' de que a Razão está distribuída universalmente para daí sugerir a necessidade de um Método para o correcto uso dessa Racionalidade.
Os erros que constatamos - dirá Descartes - quer em nós, quer nos outros, a propósito da nossa capacidade de julgar (Razão; 'capacidade de distinguir o verdadeiro do falso') não advêm de uma hipotética irracionalidade, da ausência de Razão, ou de uma Racionalidade deficiente, mas no mau uso que possamos fazer da Razão.
A Dúvida Metódica decorre precisamente do Método que ele propõe para correctamente conduzir a Razão: Nada aceitar a não ser que seja ASOLUTAMENTE INDUBITÁVEL.

2009-01-22

O Problema da ORIGEM do Conhecimento II

Na interrogação acerca da origem do conhecimento apresenta-se a posição dos que defendem que o conhecimento começa apenas e só quando o sujeito e o objecto se encontram - ou seja, o sujeito nada traz consigo,nada existe de prévio a este encontro:
" Admitamos, pois, que, na origem, a alma é como uma tábua rasa, sem quaisquer caracteres, vazia de ideia alguma: como adquire ideias? Por que meio recebe essa imensa quantidade que a imaginação do homem, sempre activa e ilimitada, lhe apresenta com uma variedade quase infinita? Onde vai ela buscar todos esses materiais que fundamentam os seus raciocínios e os seus conhecimentos ? respondo com uma palavra: à experiência. É essa a base de todos os nossos conhecimentos e é nela que assentam a sua origem."
J. Locke

O Problema da ORIGEM do Conhecimento

" O problema central da teoria do conhecimento é com efeito, estabelecer se o conhecimento se reduz a um puro registo pelo sujeito de dados já organizados independentemente dele num mundo exterior (físico ou ideal), ou se o sujeito intervém activamente no conhecimento e na organização dos objectos."
Piaget
Quando analisamos o o conhecimento deparamos com a dicotomia sujeito - objecto e com a imediata questão de saber o que concorre verdadeira e essencialmente para o process0o de conhecimento. Ao afirmarmos que o sujeito 'sai de si' e se dirige à esfera do objecto, como pode aquele apreender as determinações do objecto: pela razão ou pelos sentidos ?! Qual destes será a fonte e a garantia de conhecimento?
Passamos então a olhar para a história da Filosofia e para as respostas que avançaram alguns filósofos:
" (...) - É por consequência indispensável, como parece, que, antes de nascermos, tenhamos adquirido conecimento?
- É o que se me afigura.
- Se, pois, o aquirimos antes do nascimento e nascemos já com ele (...)
(...) De sorte que é uma necessidade que tenhamos adquirido o conhecimento de tudo isto, antes de nascermos."
Platão, Fédon
Esta é uma das respostas à questão da origem do conhecimento - o Homem transporta já consigo conhecimento, não provém o conhecimento do encontro imediato e directo como o objecto, mas a possibilidade de conhecimento é garantida por realidades outras e anteriores. Mais: o conhecimento não se refere, verdadeiramente, a realidades externas/materiais, mas diz exclusivamente respeito a conteúdos de carácter racional.

2009-01-06

CONHECER ...

Conhecer aparece-nos como algo tão banal que o senso comum raramente questiona se de facto conhece, o que será conhecer, se é possível conhecer, que tipos diversos de conhecimento existirão, o que possibilita o conhecimento ...
O mais comum é associarmos o conhecimento à visão - conhecer é ver, conhecemos porque vimos...
Conhecer é também visto como uma espécie de apropriação: tomar posse das coisas, 'possuir grandes conhecimentos'...
Conhecer pode ser também entendido como algo dependente do tacto: 'apanhar' as coisas no ar, apanhar o sentido íntimo e profundo das coisas...
Mas o conhecer é, sobretudo pensar. Conhecer será apreender e reter algo pelo pensamento.
No fundo conhecer é organizar, dar sentido, 'ler' e entender o 'fora' por arrumação estruturada 'dentro'.
Lembras-te da velha 'máxima' comum nos alunos de Filosofia: 'Sei, mas não sei explicar!'? - No entanto, verdade, verdadinha, quem não sabe explicar, é porque na verdade ainda não sabe ! (Excepção concedida a experiências da ordem do inefável que poderemos mais tarde discutir e problematizar).
Devemos chamar a atenção para a necessidade de não nos deixarmos iludir com as formas de conhecimento sensitivo pois embora ligadas aos sentidos, ao contacto mais directo e imediato com a realidade externa, não são, contudo, instantâneas ou não trabalhadas intelectualmente: ver, tactear, cheirar, saborear, ouvir, exigem sempre mediações várias, possibilidades prévias que provêm de conhecimentos anteriores, cultura, treino, mundividência, estado emocional, características psicológicas, etc.