2007-05-23

Arte, Belo e Sensibilidade

O belo deve ser obrigatoriamente associado à arte?
Que poder(es) tem o Belo sobre nós?
Ou será que o essencial à arte é causar impressões?!
" O poeta Rainer Maria Rilke era da opinião que a beleza 'é o grau do terrível que ainda podemos suportar'. A atracção da arte não nos atinge sempre como uma suave carícia mas muitas vezes como um bofetão. Alain, um pensador contemporâneo que escreveu muito sobre o processo artístico, faz notar que o 'belo não nos agrada nem desagrada, mas faz-nos parar'. O efeito estético principal é fixar a atenção distraída que passa sobre a superfície das coisas, das formas, dos sentimentos ou dos sons, sem lhes dar grande interesse. De acordo com este critério é realmente belo tudoaquilo em que temos mesmo de nos fixar. Mais do que procurar a nossa complacência ou o nosso acordo, a arte procura a nossa atenção. e ficarmos atentos pode ser o oposto de deixarmo-nos invadir pelo imediatamente gratificante, com quem entra, depois de umlongo dia de esforços, num banho bem quente. Mas, muito pelo contrário, damos razão a outro pensador actual, Theodor W. Adorno, que na sua Estética afirma que 'o benefício estético poderia definir-se como a capacidade de produzir algum tipo de calafrio, como se a pele de galinha fosse a primeira imagem estética'. Faz-nos estremecer aquilo que não nos deixa passar ao lado, o que nos prende, submete e movimenta: a evidência do real, deslumbrante e atroz, de que talvez nunca nos tivéssemos apercebido antes na sua pureza e nudez implacáveis."
F. Savater, As Perguntas da Vida

Estética: Pensar e Experienciar

Temos pensado a estética, debatido questões relacionadas, contemplado e discutido algumas reproduções de obras de arte...
Mas isso não basta! Há que experienciar em primeira mão a sensação estética. Cinema, poesia, escultura e pintura, música e dança...
Há que procurar, contudo, bons objectos de contemplação: é sempre bom desconfiar do fácil - sem desculpá-lo com o epíteto da simplicidade- a facilidade não motiva, não desafia e não engrandece. Se algo oferece alguma resistência à nossa apreensão, então há que aceitar o desafio e deixar-se tocar pelo novo.
É preciso fugir do preconceito que contamina a experiência do novo inibindo-a do sentimento de 'agradável e surpreendente novidade'.
Talvez o habitual seja seguro, mas terá muito mais a oferecer ?! É próprio dos seres humanos a busca e, até, a necessidade sentida da novidade, da criatividade, do surpreeendente e inesperado...
Deixar-se tomar pela agradável experiência do sentir estético é não só profundamente humano, mas até catártico e redentor: num tempo em que a massificação se faz sentir dos afectos ao pensar, do estar ao usar, há que, mais do que nunca, procurar, valorizar e imergir em mundos outros. Senão estreitar-se-à cada vez mais a nossa mente que se tornará mais permeável à obediência massificada, à concordância acrítica, à monotonia das formas externas, do sentir e do pensar.
Fica, portanto, o convite e o apelo para uma saída até aos mundos novos das obras de arte - passadas ou atrevidamente contemporâneas - não te assustes, nem te centres muito na questão de as compreender, ou não. Procura sobretudo senti-las. E deixar-se levar, não apenas pela cognição, mas também pela sensibilidade e pela imaginação.

2007-05-21

Arte e Massificação

Lembras-te de Andy Warhol e Dalí ?... Pensa neles ao ler o que se segue:

" A popularização da arte. A sua entrada no domínio público. Uma certa forma de virar do avesso para se saber o que há lá dentro e se expor ao sol. Qualquer coisa assim, não sei. E neste modo de não ser em recato, a perda do sagrado, a sua profanação. E isto acompanhado de análises críticas, de explicações, de uma forma de lhe invadir a sua intimidade. Não se faz ainda amor em público. Na arte já se faz. Virá também daí a sua dissolução? O artista ainda se isola para se cumprir. Mas é quase uma formalidade imediatamente desfeita na sua popularização. Não, não é isso. Não se trata de que o grande público seja excluído do acesso à arte, que para isso é que existem por exemplo os museus. Trata-se de ela ser exposta ao sol, de ela ser uma mercadoria como o papel higiénico(...)
V. Ferreira, Pensar
Bertrand

2007-05-14

Arte - nem artesanato,nem produção de massa

A originalidade radical (tanto quanto ela seja possível) marca a obra de arte. Ela pretende-se única e primeira - deste modo ela assegura a sua heterocosmicidade.
" Diferenças irredutíveis separam a obra de arte da sua reprodução industrial, a partir do momento em que a produção é utilitária, imediatamente se distinguem o artesanato e a produção em série. O trabalho do artífice consiste na fabricação de cada objecto individualmente e, portanto, cada um desses objectos úteis particularizado é tratado como uma obra de arte. Este trabalho distingue-se, pois, de outro pelo carácter individualista da fabricação e da produção,(...). Para mecanizar a produção, pelo contrário, basta estabelecer um protótipo e deixar à máquina (construída especialmente para esse fim) o trabalho de fazer múltiplas cópias, obtendo-se, em princípio, um considerável número de objectos de forma quase perfeitamente idênticas. As diferenças ocasionais são devidas a acidentes mecânicos e não causadas pela introdução da liberdade humana no mecanismo de produção, como acontece no artesanato."
E. Gilson, Cultura e Sociedade de Massas

Arte - da Interioridade do Sujeito e da Exterioridade do Mundo

" Através da arte, aquilo que existe na alma toma uma forma, torna-se uma realidade visível; através da arte, a realidade visível, até então unicamente física, toma um sentido humano, adquire uma alma. Maravilhosa e fecunda troca de onde nasce uma terceira realidade, que é simultaneamente o homem e o mundo e que participa dos dois e os liga, levando-os ao mesmo tempo para um grau superior de existência, o da beleza. Realizou-se um milagre.(...)
A arte surge a meio caminho do homem e do universo. O homem reconhece-se nela, nela encontra os seus pensamentos e os seus sentimentos, ao mesmo tempo que nela faz seu o que o cerca e não é ele. Encontra-se finalmente resolvida a dualidade irredutível da sua dupla experiência externa e interna."
R. Huyghe, L'Art et L'Homme

a Arte como Comunicação

" A arte permite-nos transmitir a nossa percepção de coisas que não podem ser expressas de outra forma. Na verdade, um quadro vale milhares de palavras, não só pelo seu valor descritivo, mas ainda pela sua importância simbólica. Na arte como na linguagem, o homem é acima de tudo um criador de símbolos, através dos quais nos transmite, de um modo novo, pensamentos complexos. Temos de encarar a arte não em termos da prosa comum do dia a dia, que tem a liberdade de reordenar a sintaxe e o léxico convencionais, de modo a transmitir novos e múltiplos significados e estados de espírito. Do mesmo modo, um quadro pode sugerir mais do que diz. E, tal como um poema, o seu valor reside tanto naquilo que diz como na maneira como diz, recorre à alegoria, à pose, à expressão facial, para sugerir significados, ou então evoca (esses significados) através de elementos visuais, como o traço, a forma, a cor, e a composição."
W. Jason, História da Arte

2007-05-09

KANT e o Juízo de Gosto

" Segundo Kant o juízo de gosto depende do sentimento de agrado ou desagrado e portanto não é um juízo cognitivo. A sua base de determinação só pode ser subjectiva. Kant contrasta o prazer puro desinteressado que está presente no juízo de gosto com a espécie de prazer que sentimos no que é agradável para nós (o qual está associado com a gratificação pessoal ou diversão) e a espécie de prazer que sentimos no que é bom.
Estes dois tipos de prazer estão relacionados com qualquer espécie de interesse (no primeiro caso a gratificação sensorial que partilhamos com os animais; no segundo caso o nosso interesse racional no que tem valor objectivo). Apenas o nosso interesse pela beleza é um prazer desinteressado e livre. Daqui Kant parte para a definição de belo como 'um objecto de prazer independente de qualquer interesse'.
Esta noção de puro e livre prazer, cuja base de determinação é inteiramente subjectiva parece sugerir que Kant estaria pronto a afirmar que o juízo estético é meramente uma matéria de preferência privada. Mas, embora, surja de um sentimento subjectivo, Kant insiste que o nosso juízo de que qualquer coisa é bela implica que se represente esta como um objecto de prazer universal."
Cottingham, History of Western Philosophy

O Processo Criativo/Comunicativo da Obra de Arte

A obra de arte provém de um certo período de gestação mental do seu criador: criar quer precisamente dizer trazer ao existir algo de fundamentalmente novo - se isso for possível - fazer aparecer o que ainda não tinha aparecido. Por isto a originalidade é tão valorizada nas produções artísticas...
A arte é, também, tentativa de vencer o corropio incansável do tempo - fixar para a posteridade, fixar o instante. O artista possui de certo modo apetência de eternidade.
Mas o criador traz ainda consigo outra missão: como um Xaman ele procura convocar e falar em nome de uma outra dimensão do real, de um outro mundo, talvez mais profundo,concerteza mais interior, invisível e de difícil expressão.
" A Arte começa no momento em que o homem cria para representar ou para exprimir; num e noutro caso, serve-se do objecto, moldado pela sua mão e criado para ele: a obra de arte. Por meio dessa obra representa ou exprime, isto é, tenta romper, num e noutro caso, um dos limites que a natureza lhe impõe. Quando representa, luta contra a impossibilidade em que se encontra de escapar à fuga do tempo,que vai abolindo o que somos; confia-o a uma matéria mais estável e durável do que a memória. Nas sociedades antigas, o homem esculpia ou pintava o mito religioso ou o acontecimento histórico, cujo espectáculo desejava fixar; nos tempos mais recentes,tenta preservar um rosto ou uma paisagem cuja beleza fugidia o comoveu. A arte aproxima-se, assim, de uma impressão.
Mas há outra impossibilidade: a de dar a conhecer a outrem o que se traz em si, o mundo desconhecido, inexprimível, do que se sente, do que se imagina, do que se sonha. O artista tenta fazer entrar esse mundo invisível no visível, mundo invisível que não existe senão na nossa cabeça ou no nosso coração; procura projectar na sua obra aquilo que ele encerra em si,quer de necessidade de uma certa harmonia, quer de uma maneira de pensar ou de sentir."
Huyghe, L'art et L´homme
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A Obra de Arte

A obra de arte,o objecto artístico, torna-se motor de comunicação intra-pessoal e inter-pessoal... ou seja, a contemplação da produção estética permite uma viagem comunicacional nas dimensões interna do sujeito e entre o espectador e os outros contempladores.
Importa, contudo, não esquecer que tudo começa quando se deu um acto criador - um autor por impulso de criatividade transporta para o universo sensível a sua obra que até aí não existia para o público.
" Na noção de 'obra de arte' estão geralmente implícitos dois aspectos: a) o autor realiza um objecto acabado e definido, segundo uma intenção bem precisa, aspirando a uma fruição que o reinterprete tal como o autor o pensou e quis; b) o objecto é fruído por uma pluralidade de fruidores, cada um dos quais sofrerá a acção, no acto de fruição, das próprias características psicológicas e fisiológicas, da própria formação ambiental e cultural, das especificações da sensibilidade que as contigências imediatas e a situação histórica implicam; portanto, por mais honesto e total que seja o empenho de fidelidade à obra que se frui, cada fruição será inevitavelmente pessoal e verá a obra num dos seus aspectos possíveis.
O autor não ignora geralmente esta condição de situacionalidade de cada fruição; mas produz a obra como 'abertura' a estas possibilidades, abertura que, no entanto, oriente tais possibilidades, no sentido de as provocar como respostas diferentes mas conformes a um estímulo definido em si. A defesa desta dialéctica de 'definitude' e 'abertura' parece-me ser essencial a uma noção de arte, como facto comunicativo e diálogo interpessoal."
U. Eco, A Definição da Obra de Arte

2007-05-07

A Obra de Arte como Terreno Fecundo - Discurso Aberto

Numa das últimas aulas procurou-se exemplificar o carácter Transgressor e Heterocósmico da obra de arte... Para o efeito foram facultadas aos alunos reproduções que pretendiam mostrar inequivocamente estas características.
Oa autores foram: Salvador Dali; Marcel Duchamp; Pierre e Gilles; Eduardo Luiz; Andy Warhol e a escola da Bauhaus.
Os alunos ficaram surpreendidos, agradados, desagradados, mas nunca indiferentes...
Aqui segue um texto para pensar essa experiência.
" O discurso aberto, que é típico da arte, e da arte de vanguarda, em particular, tem duas características. Acima de tudo é ambíguo: não tende a definir-nos a realidade de modo unívoco, definitivo,, já confeccionado. Como os formalistas na década de vinte, o discurso artístico coloca-nos numa condição de 'estranhamento'; apresenta-nos as coisas de um modo novo, para além dos hábitos conquistados, infringindo as normas da linguagem, às quaishavíamos sido habituados. As coisas de que nos fala aparecem-nos sob uma luz estranha, como se as víssemos agora pela primeira vez; precisamos de intervir com actos de escolha, construímos a realidade sob o impulso da mensagem estética, sem que esta nos obrigue a ver de um modo predeterminado. assim, a minha compreensão difere da sua, e o discurso aberto torna-se a possibilidade de discursos diversos, e para cada um de nós é uma contínua descoberta do mundo. A segunda característica do discurso aberto é que ele me reenvia antes de tudo não às coisas de que fala, mas ao modo pelo qual ele as diz. O discurso aberto tem como primeiro significado a própria estrutura. Assim, a mensagem não se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informações possíveis e responde de modo diverso a diversos tipos de sensibilidade e cultura.
O discurso aberto é um apelo à responsabilidade, à escolha individual, um desafio e um estímulo para o gosto, para a imaginação, para a inteligência. Por isso a grande arte é sempre difícil e sempre imprevista, não quer agradar nem resolver problemas, mas sim renovar a nossa percepção e o nosso modo de compreender as coisas."
U. Eco, Obra Aberta

2007-05-02

Encontro do CLUBE de FILOSOFIA

" Os conceitos da vida e do mundo que chamamos 'filosóficos' são produto de dois factores: um, constituído de factores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar 'científica', empregando a palavra no seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois factores entraram nos seus sistemas, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia."
Bertrand Russel, História da Filosofia Ocidental




A pedido de alguns alunos, que este ano já não têm Filosofia, mas guardam algumas saudades das temáticas e do exercício da crítica filosófica, deu-se um encontro entre estes alunos o professor de filosofia Carlos Reis e, a convite, o professor de Religião e Moral o professor Joaquim Completo.
Os alunos escolheram como tema para debate e relexão. "Religião e Ciência - que Diálogos possíveis?"
Partiu-se, como é próprio da filosofia, de algumas questões que tinham como objectivo levar avante o diálogo e o pensar crítico:
. Existe diálogo entre ciência e religião?
. É possível existir diálogo entre ciência e religião?
. Interessa o diálogo entre ciência e religião?
De uma maneira mais descomprometida poderíamos dizer que
a Ciência é caracterizada pela Objectividade;
Racionalidade e Experimentação,
a Reigião apoia-se na Espiritualidade; Revela_
ção; Fé e Ritualização.
No ocidente - porque é aqui que nos situamos no nosso diálogo - à crescente tentativa de controlo sobre a ciência levada a cabo pela religião, assiste-se a um contra-ataque da ciência que se vai afirmar de um modo radical no Iluminismo e sobretudo no Positivismo.
Uma das questões que se levantou foi de que não podemos estar a falar de Religião e de Ciência, mas de religiões e de ciências...( Por exemplo, quando falamos em ciência, falamos na ciência contemporânea ocidental, quando falamos em religião, falamos de cristianismo e nas suas vertentes católica e protestante).
Serão religião e ciência dois modos de conhecimento?
Então,
. Qual o seu objecto de conhecimento?
. Qual o fundamento para a aceitação ou rejeição de tal objecto?
. Que condições afectivas e cognitivas entram em jogo no acesso ao objecto?
. Qual a coerência das construções relativas ao objecto?