2008-04-30

Religião - respostas a quê...

Já vimos que a religião brota da busca do Sentido da Existência, mas também da estupefacção diante do Sofrimento e da intensa experiência da Finitude.
Como pode responder a Religião a estas problemáticas? De muitas formas! As respostas são tantas e tão variadas quanto as organizações e as tradições religiosas... Acresce a isto que o momento histórico determina, em muito, quer o sentido das buscas quer a direcção das respostas.
" A religião é definida por Lucrécio como o temor pelo poder dos deuses. Na maior parte das religiões, a imagem de Deus é associada aos fenómenos catastróficos, incontroláveis e incompreensíveis. É somente mais tarde que se associa Deus à ideia de amor e de perdão.
Em certas épocas da sua história, o povo judeu e a igreja cristã também associaram Deus à ideia de um destino cruel e de uma punição.
Pelo contrário, hoje está na moda colocar Deus ao lado da felicidade e do optimismo. Deus 'positivo'. O sucesso da nebulosa 'New Age' parece-me a manifestação desta tendência.
Presentemente, para muitos, a religião é um 'máximo' para atingir a felicidade e a saúde. O mundo é maravilhoso e os seus 'males' não são mais do que perturbações da harmonia universal. O homem não é mau nem culpado, e os seus 'vícios' não passam de doenças que podem ser curadas. Deus seria o equilíbrio, a sabedoria, a terapia e a aceitação de si próprio e dos outros.
(...)
Toda a gente sabe que Malraux disse que o século XXI será espiritual e religioso. E muitos chegaram a pensar que esta religião do século XXI não seria o catolicismo, julgado obsoleto, mas o 'New Age' da era de Aquário.
(...) Quando Malraux anunciou o regresso religioso para o século seguinte, ele fê-lo num momento em que ainda era possível pensar que o século XXI seria pacífico. Começava-se a acreditar que o trágico e o absurdo tais como o tinham pregado Kafka, Nietzsche e até Camus estavam ultrapassados. O século XXI devia ser feliz. E a espiritualidade e a mítica deviam ser uma espécie de suplemento da alma que estaria em harmonia com uma sociedade sem fadiga, rica e, para dizer a verdade, à beira do aborrecimento.
Mas, agora, quase já não há dúvidas, o próximo século não será feliz. Desde que Malraux pronunciou esta pequena frase famosa, as coisas mudaram muito. O século XXI será violento e trágico. Os grandes ideais da democracia, dos direitos do homem, da partilha das riquezas e da saúde através do yoga estão a caminho de se desmoronar uns após outros.
(...)
Assim, a espiritualidade futura não fará a economia nem dos males nem dos vícios. A religião tem por fundamento incontrolável a falta, a infelicidade e o sofrimento.
E por esta razão, julgamos útil pôr novamente em debate a conexão entre religião, os males e os vícios."
Alain Houziaux
A Religião, os Males, os Vícios

2008-04-29

Do Terreno ao Celestial - realidade e símbolo

Como podemos ver no texto abaixo exposto de A. Bancroft, a humanidade sempre foi dada a pressentir uma Realidade Outra - ou por de trás ou para Além desta. Essa realidade seria mais permanente, mais verdadeira, mais real.
A busca do sentido do 'Aqui' conduziu, curiosamente, o Homem para o 'Além'. O Aqui tornou-se uma porta, um vislumbre, uma cópia ou uma pista da/para uma realidade outra.
A Água - elemento natural e corriqueiro - tornou-se símbolo de purificação e vivificação. O Homem sempre observou que ela é fonte de vida, que lava, mas também tem o poder para destruir e matar - é partindo desta experiência do quotidiano que a água aparece no vastíssimo número de religiões e crenças através de ritos propiciatórios e/ou purificatórios: lavagens, abluções, baptismos, imersões purificadoras.
O mesmo acontece com o fogo, por exemplo, e a Luz. As Trevas levam à perdição, ao engano, à desorientação... sem Luz a vida perece - por isto o fogo, o sol, a Luz são temas recorrentes nas religiões e nelas se fala tanto em 'iluminação'.
Tal como as montanhas e as árvores sagradas dos primórdios das culturas e crenças humanas, também os templos se elevam: partindo do terreno, do que é 'baixo', procuram, simbolicamente, alcançar o celeste, o cimo, o Transcendente.
É sintomático que os grandes eventos religiosos estão, de um modo ou de outro, ligados a ciclos ou fenómenos naturais - do Homem ou da Natureza: Nascimento/Reprodução/Primavera; Inverno/Adormecimento/Morte...
A Natureza foi pois transformada em janela e guia para o transcendente (veja-se algo tão comum e natural como os sonhos, ser, igualmente o modo comum de comunicar com o 'outro mundo').
O natural e sensível reenvia então, continuamente, para um Além, e mesmo neste mundo existem Espaços e Tempos privilegiados como portas de comunicação para o transcendente: aqueles tempos do calendário, os espaços geográficos ou arquitectónicos, os objectos e pessoas que tocados pelo transcendente por isso se tornam sagrados.

2008-04-23

Religião, Sentido e Símbolo

" Segundo os testemunhos da História, parece que o desejo da humanidade tem sido sempre estar em contacto com o seu espírito. Desde sempre e em todas as épocas, ela tentou ultrapassar as fronteiras dos sentidos e encontrar o divino.
Utilizando os símbolos de que dispunha, classificou os seus ideais tão adequadamente quanto podia, normalmente como deuses e deusas; e contudo com o conhecimento de que por detrás do símbolo permanecia o mistério da Realidade.
Por meio de representações como divindades supremas e outras menores, antepassados e espíritos, os homens conseguiram captar um sentido de alteridade e de transcendência em que podiam basear a sua vida e o ser. Os grandes mistérios do nascimento, da morte e do renascimento ganharam um sentido e um significado para além do humano, em virtude da imanência do divino que se sentia presente no universo físico. O objecto - a faia ou o mar cinzento - tal como aparecia na experiência sensorial vulgar, apontava para uma realidade que não se continha nessa experiência porque era ilimitada. O significado último a que conduza não era inteiramente alcançável pelos sentidos, mas cada objecto era como um dedo apontando o caminho para a realidade por trás da aparência. Todo o universo estava imbuído do sagrado e continha um aspecto que transcendia o finito e o tornava incomensurável. "
Anne Bancroft
As Origens do Sagrado
alteridade: o Outro; o Diferente; o Não Eu
transcendência: o que está para além; o que me ultrapassa
imanência: o Aqui; aquilo que me rodeia; o mundo sensitivo e material
experiência sensorial: a experiência quotidiana ligada aos sentidos
vulgar: comum; quotidiano, 'normal'
imbuído: pleno; cheio
incomensurável: que não se pode medir ou conter

2008-04-16

A Fé Religiosa

Ao deslocar-se do Imanente, do quotidiano, do 'aqui', o homem de fé sabe que não pode conhecer de modo objectivo, seguro, claro, com uma apreeensão profundamente satisfatória (que nem o imanente oferece) o Transcendente para onde se dirige.

Se o Absoluto existir, como pode a finitude que o homem sente, e é, compreender, apreender, abarcar, essa imensidão incomensurável e inefável?!

É aqui que a Fé aparece: a certeza na incerteza objectiva.


" Sem riscos não existe fé. A fé é precisamente a contradição entre a paixão infinita da espiritualidade e a incerteza objectiva. Se eu puder apreender objectivamente Deus, então não creio nele, mas porque não posso conhecer Deus objectivamente, tenho que ter fé, e se eu preservar a minha fé, tenho constantemente de me agarrar à incerteza objectiva, de modo a manter-me à tona num oceano profundo (...) e continuar a acreditar."
S. Kierkegaaard

Religião e religiosidade

"Dificilmente encontrareis um espírito investigando profundamente a ciência que não apresente uma religiosidade característica. Mas esta distingue-se da do homem simples; para este último, Deus é o ser do qual espera solicitude e teme castigo, é um ser com o qual sustenta, em certa medida, relações pessoais, por mais respeitosas que sejam: e um sentimento sublimado da nossa natureza, das relações de filho a pai."

A. Einstein

2008-04-03

A FÉ RELIGIOSA

Por vezes, bastantes vezes até, a fé religiosa aparece como ausente ou inimiga da razão... No entanto, embora a dimensão da fé não se indentifique em exclusivo com a razão, ela concorre para a formação da fé religiosa - aliás, caso contrário, o perigo de uma fé obscurantista, fanática, completamente irracional, pode levar o ser humano para percursos de total alienação ou supressão daqueles que se recusarem a aderir ou a se conformarem aos ditames da sua crença.
A fé religiosa tem um carácter englobante: engloba o Homem nas suas diversas dimensões e engloba de igual modo a realidade.
Na fé religiosa entra o ser humano todo e de um modo total. É por isto que quando alguém fez uma experiência de carácter religioso todos à sua volta, além do próprio, sentem que ele mudou. Em linguagem religiosa é comum falar-se em 'conversão' ou 'iluminação'.
"A fé diz respeito à totalidade do ser humano, implica-o em todas as suas facetas e não numa ou noutra em particular. Aquele que acredita fá-lo com todo o seu ser, com a sua dimensão racional mas também com todos os elementos irracionais que integram a sua personalidade.
Nela entram a emoção e os sentimentos, bem como o conhecimento e a vontade.
Por ela o Homemm adere ao absoluto, ao infinito, àquilo que o transcende e ultrapassa.
É pele fé que toma consciência do sagrado."
S. Kierkegaard

2008-04-02

A Religião como Experiência do Absoluto

" O Homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do número considerável das formas histórico-religiosas, este modo específico é sempre reconhecível. Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus crê sempre que existe uma realidade abosluta, o sagrado, que transcende este mundo mas que se manifesta neste mundo, e, por esse facto, o santifica e o torna real. Crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana actualiza todas as pontencialidades na medida em que é religiosa, quer dizer: participa da realidade. "
M. Eliade

2008-04-01

AS Dimensões do Religioso

A Religião integra a experiência universal do Homem em dar sentido à sua existência e à existência de todo o cosmos.
Dimensões do Fenómeno Religioso:
1. Ritual,
A religião manifesta-se num conjunto delimitado, segundo espaços e tempos especifícos, de 'gestos significantes' sagrados: cerimónias; festividades; oferendas; peregrinações; orações...
2. Narrativa,
Mito e História...
As religiões alicerçam-se em narrativas - relatos que situam, explicam e revelam - umas, como no caso do hinduísmo (sanatana dharma) , do judaísmo e do cristianismo - as narrativas foram primeiro orais e depois passadas a escritas; noutras - islão, mormonismo - o Texto Sagrado é praticamente o ponto de partida( mas a vivência precede sempre o texto na formação de uma nova religião ).
3. Doutrinal,
Reflexão, uma segunda leitura dos acontecimentos.
O conjunto de verdades a serem aceites; os princípios e preceitos para a existência; A chave para a interpretação do sentido das coisas.
4. Ética,
O conjunto dos valores promovidos e a promover.
As normas morais que devem orientar a vida comunitária, social e individual.
5. Social,
Intervenção e relação entre:
os crentes e a sua comunidade; entre os crentes e a sociedade exterior; entre a comunidade e o exterior.
6. Existencial,
A experiência religiosa supõe sempre , ou quase sempre, uma experiência 'forte' , intensa, de carácter místico ou transcendente - a 'conversão', a 'iluminação', etc.
Convém chamar a atenção para o facto de que o fenómeno religioso não está exclusiva e obrigatoriamente dependente da crença num ou mais deuses!
Existem religiões que são ateias - não pressupõem a crença num ser absoluto - como é o caso do budismo e do jainismo.
Podemos ainda lembrar que existem ideologias que pelas suas características, ao oferecerem uma mundividência fundante e englobante, se apresentam como religiões paralelas na prática - tais como os marxismos ( leninista, maoista, trotskista...), assim como o nacional socialismo alemão (nazismo) e os diferentes fascismos.

SENTIDO(s)...

A religião aparece, sobretudo, como resposta à pergunta pelo sentido da existência.
Esta afirmação não é pacífica, para alguns a religião aparece cmo resposta ao medo que ensobra a existência humana perante o desconhecido, o sofrimento e a morte...
Para lá das opiniões, é um facto que as religiões jogam um papel fundamental nas mundividências da humanidade e no sentido que esta, de modos diversos, dá à sua existência, quer colectiva quer individual, ao modo como responde a questões tão fundamentais tais como: donde venho?; para onde vou?; quem sou eu?; que faço aqui?; como devo viver?; haverá vida antes do nascimento?; haverá vida depois da morte?...
A palavra SENTIDO aparece portanto como fundamental. Importa então compreender o alcance tão rico que este termo tem para nós.
Quando falamos em sentido podemos estar a falar em três dimensões bastante distintas: ao sentido enquanto orgão sensível (os cinco sentidos); ao sentido enquanto rumo, caminho, direcção ("em que sentido devemos seguir?"); ao sentido enquanto significação ( o sentido de uma acção, o sentido de uma palavra, o sentido da vida...).
Este última acepção é a que nos mais interessa para o presente módulo.
O quotidiano do Homem é recheado de experiências diversas e com maior ou menor impacto para ele... Que sentido têm elas para o ser humano concreto?
As nossas vivências aparecem envoltas em significado - como nos seria possível vivenciar, ser tocado pelo que quer que seja sem doar de imediato uma significação, um sentido?!
A doação de sentido é profunda e universalmente humana - a arte, a filosofia, a ciência, até as formas menos científicas de conhecimento, as ditas 'ciências ocultas' fazem isso e é para isso que todos os saberes, mais ou menos profundos, existem: dar sentido...
As religiões aparecem neste esforço doador de sentido e é a partir daqui que vamos investigar a Dimensão Religiosa do ser humano.
Há que, como deve ser feito em Filosofia, tomar uma atitude crítica, não preconceituosa, abrir-se à compreensão de um modo reflectito e fundamentado .